Histórias de Moçambique sobre o desmantelamento do discurso de ódio

Dia Internacional da Educação

As guerras e as feridas infligidas pela violência armada deixaram uma marca indelével nas comunidades de Moçambique. Neste contexto difícil, Hélder e Ana, dois meninos da província de Tete, representam a força e a esperança de quem sonha com um futuro melhor. A sua história, simbolizada por um lápis, uma folha de papel e um banco de madeira, reflecte a sua determinação em ultrapassar as adversidades e construir um percurso educativo apesar dos desafios.

Fugir para o Malawi era a única opção para muitas famílias da zona, obrigadas a abandonar as suas casas devido à guerra. As escolas da zona foram encerradas, privando as crianças do seu direito à educação. “Quando assinaram o acordo de paz, pudemos finalmente regressar a casa e à escola“, disseram-nos, com um sorriso.

A assinatura do Acordo de Paz em 2019 marcou um momento crucial, permitindo que Helder e Ana regressassem a casa e à escola e retomassem a sua educação. Este acontecimento sublinha a importância crucial da resolução dos conflitos armados para garantir o direito à educação para todos, especialmente para as crianças, cujo futuro é frequentemente ameaçado pela violência.

As histórias de renascimento não são apenas individuais, mas reflectem o tecido social mais vasto. O testemunho de Rita Saimon, uma mãe do distrito de Bárué, na província de Manica, fala da esperança no futuro que a educação dos seus filhos pode trazer. “Hoje podemos cultivar sem medo, podemos dar de comer aos nossos filhos antes de eles irem para a escola todas as manhãs“, disse-nos a Sra. Rita.

A paz tornou possível cultivar sem medo, assegurando o sustento adequado antes de as crianças irem para a escola todas as manhãs. “Isto inspira-me confiança de que o futuro deles será diferente do meu, e que cuidarão de mim na minha velhice se estudarem e encontrarem um bom emprego”, comentou a Sra. Rita, que não conhece a palavra ódio nem a palavra vingança. “Tudo isto é possível porque há paz e trabalhamos como uma comunidade e é isto que ensinamos aos nossos filhos”.

Desde a assinatura do Acordo de Paz de Maputo, em 6 de agosto de 2019, para a construção da paz e reconciliação nacional, também se registaram progressos através do programa DELPAZ – financiado pela União Europeia, implementado pela Agência Italiana de Cooperação para o Desenvolvimento (AICS) nas províncias de Manica e Tete; pela Agência Austríaca de Cooperação (ADA) na província de Sofala, com a participação do UNCDF – para reforçar a construção da paz.

O programa está empenhado em apoiar as comunidades locais na construção de sociedades pacíficas e sustentáveis, permitindo-lhes desenvolver as suas próprias capacidades de resolução de problemas de uma forma calma e reflectida. Para tal, é necessário dotar as comunidades de conhecimentos adequados e, acima de tudo, garantir que as crianças cresçam em ambientes seguros e recebam uma educação adequada.

Com o estabelecimento da paz, os direitos humanos podem ser exercidos de forma mais efectiva, incluindo o direito à educação.

Neste dia dedicado à educação e à luta contra o discurso de ódio, o testemunho do Helder, da Ana e da Rita recorda-nos que a educação é uma força transformadora, capaz de iluminar o caminho para um futuro melhor, livre de ódio e de conflitos, e é um apelo à construção de um futuro baseado na compreensão, na tolerância e na consciência da diversidade. Só através da educação podemos ter esperança de quebrar o ciclo da pobreza e ajudar a construir uma sociedade pacífica e próspera.

 

Pontos verdes (CDR) – Engajando pequenos Produtores como o Paulo Lequissio a aumentar sua renda por meio de Agricultura inteligente e estimulando a consciência na Inclusão

Paulo Lequissio, 60 anos, é residente na Comunidade de Mwanalirenji, posto Administrativo de Zobué, distrito de Moatize é casado com Sitifonia Mapios, mãe de 6 filhos. O senhor Paulo é beneficiário do Programa DELPAZ desde 2023.

“A primeira vez que ouvi falar do DELPAZ foi quando fomos convocados pelo nosso líder a participar de uma seleção de baixo das nossas mangueiras onde estavam alguns homens que nos falaram da agricultura de conservação e sobre Paz e reconciliação”, conta o senhor Paulo. “Fiquei muito interessado porque eles falavam de uma comunidade inclusiva e logo aceitei participar para aprender coisas que para mim eram novas”.

“Fomos informados que é possível produzir e obter bons rendimentos sem gastar muito dinheiro comprado medicamentos, adubos e sem gastar nosso milho para dar as mães de sachas como pagamento pelo trabalho”, continua o senhor Paulo, acrescentando que achou os argumentos tão convincentes que assim decidiu adoptar a título experimental as práticas de agricultura de conservação, poupanças e participar nos debates sobre a ’Paz, Reconciliação e inclusão’ “com nossos irmãos na comunidade vulgos DDR”. Foi assim que preparou uma área pequena de 1350m2 (30m x 45m) para produzir tomate e 800m2 (20mx40m) para produzir Feijão Vulgar.

O Sr. Paulo foi um dos beneficiários desta iniciativa. Recebeu catana, enxada, regado, semente de tomate e feijão vulgar com assistência técnica completa para implementação de agricultura de conservação.

Ainda em conversa, o senhor Paulo contou-nos que o rendimento que obteve na primeira experiência da prática de agricultura de conservação – usando a cobertura morta (mulching) e o biopesticida conhecido localmente por Manguala de folhas amargas (pesticidas biológicas) e o uso de Manhoa (esterco animal) nas suas parcelas, foi tão satisfatório que decidiu aumentar a área de cultivo usando as mesmas técnicas de Agricultura de conservação pelo menos para meio hectare. “Faz tempo que venho produzido tomate e feijão, porém na pequena área que preparei 1350m2 (0,135 hectare), usando 10g de tomate na variedade Rio Grande e a 1kg de feijão vulgar na variedade Catarina, distribuídos no âmbito de DELPAZ consegui 35 cestos de 30kg de tomate e 4 latas de feijão”.

No momento da colheita e venda de tomate e feijão o preço do mercado já estava muito baixo, contudo conseguiu ter um lucro de 7000 MT com a venda dos 30 cestos e duas latas de feijão. Com o lucro obtido a partir da venda desta produção foi possível comprar 30 galinhas, material escolar para os filhos, roupas, alimentação para casa e alugar carrinha de mão para puxar o esterco bovino para a machamba.

Segundo ele, antes do seu engajamento com DELPAZ não usava a agricultura de conservação porque nunca imaginou que fosse possível produzir sem que haja custos com pesticidas, adubos inorgânicos e também por desconhecimento das suas vantagens. No lugar da semente melhorada ele usava o grão selecionado da campanha anterior para a cultura de feijão, e usava uma taxa de sementeira muito alta o que infelizmente dava rendimentos muito baixo. Mas com os treinamentos sistemáticos promovido pelo DELPAZ nas comunidades sobre as práticas da agricultura inteligente produção sustentável, uso de compactos e densidade adequada, associado aos bons rendimentos obtidos, foi entendendo a necessidade do uso de factores de produção locais, como o uso das plantas locais para produção de pesticidas, esterco animal local para adubação e uso de mulching.

Na comunidade, ele considera-se um testemunho vivo do impacto da intervenção do DELPAZ: “Hoje, por experiência própria, sou testemunha do que a prática da agricultura de conservação usando Mulching, taxa de sementeira ideal, adubação orgânica e pesticidas orgânicas podem fazer em termos de sustentabilidade e rentabilidade’’.

O senhor Paulo, satisfeito com os resultados obtidos anteriormente, pretende aumentar a sua área de produção para um hectare (1 ha) em agricultura de conservação para produção de hortícolas e reza para que a chuva se faça sentir para ter bons resultados tendo em conta que ele não tem uma motobomba. Com o aumento dos seus rendimentos ele pretende iniciar uma poupança com a parte dos lucros de modo a conseguir concretizar futuramente o sonho de comprar uma camioneta para escoar os seus produtos pessoalmente sem ter de perder muita produção por falta de meio de transporte para escoar a sua produção.

O senhor Paulo está deveras satisfeito e deseja que o DELPAZ continuará apoiando a sua comunidade e agradece especialmente os técnicos que dia a dia estão com eles, no terreno.

 

Sintonizando mudanças: o impacto transformador das Rádios Comunitárias em Moçambique no Dia Mundial da Rádio

Desde a sua instalação, a Rádio Moçambique expandiu-se para todas províncias e, neste momento estima-se que tenha alcance de cerca de 95% da população a nível nacional. A liberalização do mercado de comunicação social, nos anos 90 do seculo passado, abriu espaço para o surgimento das rádios comunitárias, elevando o nível de expansão e alcance territorial.

As rádios comunitárias – do Instituto de Comunicação Social (ICS) e FORCOM – são uma importante fonte de informação nas zonas rurais de Moçambique: aproximadamente dois terços dos moçambicanos, principalmente os das comunidades rurais, recebem a sua informação através das rádios comunitárias. Através de produção de programas, as rádios comunitárias têm um papel importante na mobilização comunitária influenciando a mudança de comportamento em assunto relacionados com saúde, educação, agricultura, alertas climáticos.

Donato Maguere (32 anos) é um jovem do distrito de Macossa, na província de Manica, que desde 2021 – ano em que foi instalada a Rádio comunitária de Macossa (ICS) – juntou-se com outros fazedores de rádio e explica-nos a importância que a rádio tem para o desenvolvimento local. “Sempre gostei da rádio, sobretudo dos noticiários da Rádio Moçambique e quando tive a oportunidade de ser um membro da equipa da rádio comunitária fiquei mesmo muito contente porque acredito firmemente no papel que rádio tem para informar os ouvintes e para ajudar na manutenção da paz”.

“Macossa é uma zona muito restrita e com a entrada da rádio está-se a registar um crescimento, um avanço sobretudo no que diz respeito à mudança de comportamento”, conta Donato. “Temos na nossa grelha programas sobre a mudança climática, por exemplo, ou sobre a malária”.

“Até posso dizer que a nossa rádio teve um papel muito importante aquando da pandemia de Covid-19. Fomos nós, com as nossas mensagens, que ajudamos a população a controlar a doença, sendo que a nossa rádio chega até ao último ouvinte da comunidade mais recôndita mesmo onde não chega a rede telefónica”, diz com muito orgulho. “É através da rádio que as nossas comunidades sabem combater melhor a doença da malária, também, e sabem enfrentar de forma eficaz as crises devidas às mudanças climáticas”.

A rádio é um médium fundamental para a manutenção da paz. “Através da produção de notícias, de spot, a rádio passa diariamente a mensagem da importância da inclusão na sociedade dos DDR, os desmobilizados da guerra”, afirma Donato, “com DELPAZ – o programa do Governo de Moçambique, financiado pela União Europeia com o suporte da Agência Italiana de Cooperação para o Desenvolvimento e seus parceiros como a ONG HELPCODE na nossa província, e na província de Tete -, continuamos o nosso trabalho para a inclusão de todos na sociedade e para a tranquilidades das nossas comunidades”.

“As pessoas acreditam em nós porque as nossas notícias são credíveis e não caímos na ratoeira das notícias falsas divulgadas muitas vezes através das redes sociais”, acrescenta Narcísia Kupa (34 anos), também da Rádio Comunitária de Macossa.

“Há três anos que trabalho na rádio”, comenta Narcísia. “Além de passar notícias daquilo que acontece no distrito, passamos mensagens educativas sobre a saúde, como por exemplo, a importância das redes mosquiteiras no combate contra a malária”.

Mas há também entretenimento. “Tocamos música e respondemos aos telefonemas dos ouvintes: é uma maneira para estabelecer uma ligação ainda mais forte entre nós e assim cresce a nossa credibilidade também”.

Incentivar as outras raparigas em trabalhar na rádio é uma das missões de Narcísia. “gosto muito daquilo que faço porque sinto que é relevante para as nossas comunidades, por isso convido as outras mulheres a envolver-se no trabalho da rádio”.

 

Bartolomeu, o ex-guerrilheiro que vive da agricultura no “deserto”

Bartolomeu Tenesse, 58 anos, lutou por 13 anos na guerrilha da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), numa frente que tinha a missão de sustentar a guerra civil, com armamento que devia assaltar em quartéis. Foi desmobilizado duas vezes, a última em Junho de 2021 e está pela segunda vez na chamada vida civil.

O ex-guerrilheiro está a lutar agora para sustentar a sua comunidade, com a agricultura que pratica no povoado de Casado, em Tambara, um distrito de clima seco de estepe, com inverno seco e baixa precipitação anual.

O distrito de Tambara, na província de Manica, no centro de Moçambique, está a ser atingido por uma fome severa, provocada por uma seca induzida pelo fenómeno El Niño, que tem devastado colheitas. Tambara separa-se, através do rio Zambeze, com o distrito de Mgabu, no Malawi, que foi declarado estado de calamidade devido ao fenômeno.

“A fome este ano é assustadora, há famílias a se alimentar de farelo de milho, frutas e tubérculos silvestres. Outros passam dias a fio sem comer. Então se eu intensificar essa agricultura, com boa disponibilidade de água, posso enfrentar qualquer tipo de fome”, afirma Bartolomeu Tenesse, com a mão no queixo e o braço sustentado no cabo da enxada.

Bartolomeu, foi recrutado para a guerrilha aos 15 anos, em 1985, em Angónia (Tete), quando fazia uma viagem para Blantyre, em busca de emprego no Malawi, durante a guerra civil que durou 16 anos.

“O nosso carro foi interpelado, foram separados os jovens e levados para um lugar, onde pernoitamos. Ao amanhecer, ficamos surpresos ao ver que estávamos sendo controlados por homens com armas em punho. Avisaram-nos que devíamos cumprir a tarefa de trazer democracia no país”, quando foi levado para treino militar na base de Chiriza, em Angónia.

Ficou naquela base até 1987, fazendo operações na província de Tete, quando foi solicitado na base central Merece-Chamboco, na serra da Gorongosa, onde conheceu e dialogou com o líder histórico, Afonso Dhlakama.

“Saudamos o presidente (Afonso) Dhlakama, como soldados de Tete. Daí fomos divididos em grupos pequenos, e passei para Inhaminga, em Sofala. Depois engajamos em Dondo, Nhamatanda, Shemba até regressar a uma das bases na província de Tete”.

Acrescentou: “a nossa tarefa era combater e recolher o material bélico para as nossas bases, numa dessas missões de entregas de armas, fui levado novamente até ao local onde estava o presidente Afonso Dhlakama”. Foi depois reconhecido por essas missões e poucos anos depois foi alcançado o Acordo Geral de Paz (AGP), de Roma, em 1992.

Mesmo “em paz, ficávamos a sofrer, sem liberdade e nem democracia”, o que o levou a regressar às matas em 2017, a partir da base de Nhandete (Tambara), de onde choraram “amargamente” a morte de Afonso Dhlakama, em Maio de 2018, até ser desmobilizado pela segunda vez em Junho de 2021, em Barué, no âmbito do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) – que resulta do acordo de paz de Maputo assinado em 2019.

Como a maioria dos ex-guerrilheiros da Renamo, Bartolomeu foi desmobilizado pela primeira vez em 1994, pela missão de paz das Nações Unidas em Moçambique (Onumoz).
O ex-guerrilheiro lembra que na segunda desmobilização, voltou para a aldeia de acolhimento em Tambara, com uma catana, enxada, machado, uma variedade de sementes agrícolas e uma promessa de projetos de desenvolvimento e pensão de sobrevivência.

“Disseram que viriam projetos e recebemos o programa DELPAZ. Na verdade, montou um sistema de irrigação por gravidade que estamos a usar desde o ano passado. Beneficiamos também de sementes e assistência de extensionistas do programa que esta a ajudar a aumentar muito a produção num sítio difícil de produzir, por ser uma zona seca”, explica Bartolomeu Tenesse

O ex-guerrilheiro é membro de uma das 10 associações de camponeses que recebe apoio do programa DELPAZ, que dá especial atenção à criação de oportunidades para jovens, mulheres, bem como ex-combatentes e suas famílias.

Bartolomeu e parte de sua família trabalham no Ponto Verde de Tambara, um campo de transferência de tecnologias, que assiste com tecnologias e práticas agrícolas inteligentes para o aumento da produção e produtividade das 10 associações agrícolas e da população de Tambara.

 

Semeando a Paz em Guro

“Vê aquelas montanhas lá? Foram o meu refúgio durante o conflito. Até dormíamos com as serpentes…”, conta Manhanha Naissone, enquanto vai capinando na sua machamba no distrito de Guro.

Manhanha, membro da Associação “Zwichandisa Uone”, que significa “trabalho para viver” em shona, compartilha sua jornada de superação. A guerra pode estar distante, mas suas memórias ainda ecoam quando seu olhar se volta para as montanhas. “Quantas vezes tivemos que fugir até lá para escaparmos aos tiros, à morte…”.

Com a assinatura do Acordo de Cessação Definitiva das Hostilidades Militares, em 1 de agosto de 2019, na Gorongosa, Manhanha pôde voltar para casa e começar a cultivar na sua machamba. “Com o Acordo, as ideias mudaram e hoje conseguimos trabalhar juntos porque já não há mais cores, existe uma só cor que é a branca. A cor da paz!”

O Programa DELPAZ tem sido um apoio vital para a Associação Zwichandisa Uone, incluindo a criação do “Ponto Verde”, um espaço onde os agricultores recebem formação para novas técnicas agrícolas, resilientes e “smart”.

No ano passado, cada um dos seus 40 membros recebeu apoio no cultivo de milho, feijão, amendoim e mapira. Manhanha, junto com outros agricultores, aprendeu novas técnicas agrícolas com os pontos focais do DELPAZ. “Aumentamos de muito as nossas colheitas graças a essas novas técnicas”, afirma ela, “até agora podemos comercializar os nossos produtos no mercado”.

Manhanha não quer parar por aí. Além de semear horticolas na sua machamba, ela almeja que se semeiem “ideias de paz por todo o País e distritos” porque, como ela diz, “a guerra quando entra numa comunidade só traz destruição”.

Revolucionando o abastecimento de água: a comunidade de Malimanao celebra a recuperação da bomba d’água

No coração da comunidade de Malimanao, no posto administrativo de Nhamagua, uma festa extraordinária foi celebrada ontem, marcada pela entrega oficial da bomba d’água recuperada, nas mãos de António Dinis, administrador do distrito de Macossa, na província de Manica. O evento representou um passo significativo para garantir um acesso sustentável à água potável para todos os membros da comunidade.

António Dinis expressou profunda gratidão ao Programa DELPAZ, que apoiou ativamente o processo de reabilitação das bombas d’água. “Estamos muito agradecidos ao Programa DELPAZ, que nos proporcionou um valioso apoio na reabilitação de nossas bombas. Isso contribuirá imensamente para o bem-estar de nossas comunidades”, afirmou o administrador. Ele também enfatizou a importância de a comunidade assumir agora a responsabilidade pela manutenção e uso sábio desse recurso vital.

A cerimônia viu a entrega de uma bomba do tipo Afridev, uma das sete recentemente recuperadas pelo Programa DELPAZ. Rosita Panazache, representante da comunidade de Malimanao, compartilhou sua alegria ao ver finalmente a água facilmente acessível. “Agora podemos economizar tempo, já que não será mais necessário percorrer longas distâncias para buscar água nos poços tradicionais”, declarou.

Pedro Paunde, porta-voz da comunidade, destacou a importância da bomba não apenas em facilitar o acesso à água, mas também na prevenção de doenças. “A água não apenas nos nutre, mas nos protege contra doenças. Faço um apelo a todas as comunidades para que possam desfrutar do privilégio de ter sua própria bomba d’água”, afirmou.

O evento foi ainda mais especial com a presença de Carlos Mairoce, representante da componente italiana do Programa DELPAZ, e de Paolo Gomiero, representante da ONG Helpcode. Sofrimento João Francisco, diretor do Serviço Distrital de Planejamento e Infraestruturas (SDPI), enfatizou o compromisso com o desenvolvimento sustentável e a importância das infraestruturas para o progresso da comunidade.

Esta celebração não apenas marca um avanço na oferta de água segura e acessível, mas também representa um exemplo tangível de como a colaboração entre organizações e comunidades pode trazer mudanças significativas para o bem de todos. Uma prova de esperança e progresso para as pessoas da comunidade de Malimanao e uma inspiração para muitas outras comunidades perseguirem uma vida melhor através do acesso à água potável.

Para além dos desafios: a história de Berta Arlindo, empreendedora corajosa em Moçambique rural

Num distrito remoto de Moçambique, na província de Manica, Berta Arlindo, de 24 anos, destaca-se como uma verdadeira empreendedora, desafiando as adversidades locais para construir o próprio destino. Residente em Macossa, formada em contabilidade e auditoria pela Universidade de Chimoio, Berta decidiu enfrentar a situação do desemprego de frente e iniciou um negócio de criação e venda de frangos no ano passado.

Para Berta, o desemprego foi o catalisador que a impulsionou a encontrar soluções para enfrentar as despesas. Apesar dos esforços para procurar emprego após os estudos, não teve sucesso. Mesmo com o marido empregado, o desejo de ser autossuficiente e independente a motivou a empreender.

Ser uma empreendedora em Macossa não é uma tarefa fácil. O sucesso de seu negócio de frangos depende fortemente dos picos de mercado, como durante o Natal e o Ano Novo, quando a demanda aumenta. No entanto, enfrenta meses mais lentos, tornando difícil a venda de seus produtos. Berta enfrenta desafios adicionais devido à falta de acesso a produtos relacionados à avicultura e medicamentos para tratar doenças de frangos, já que em Macossa não há nenhuma loja especializada.

A falta de acesso a esses recursos a obriga a viajar por cinco horas até Chimoio sempre que se depara com problemas de saúde em seus frangos. Apesar desses obstáculos, Berta permanece optimista, reconhecendo as contingências do país, mas sorrindo diante das dificuldades.

Berta decidiu iniciar o negócio de frangos por duas razões principais. Em primeiro lugar, notou a ausência de concorrência directa na criação de frangos em Macossa, oferecendo uma oportunidade única de negócio. Em segundo lugar, reconheceu o valor nutricional importante do frango, especialmente numa região onde o acesso a fontes de proteína animal pode ser limitado.

A empreendedora destaca o papel significativo do programa DELPAZ na comunidade, mencionando a distribuição de sementes para a prática da agricultura. Além disso, Berta espera tirar proveito das formações previstas pelo programa em microcrédito ou marketing, visando atrair novos clientes e melhorar a estrutura do seu negócio.

Berta Arlindo reconhece os desafios adicionais que as mulheres empreendedoras enfrentam em Macossa devido à falta de oportunidades, mas a sua resiliência e determinação são fontes de inspiração. A sua história destaca não apenas as dificuldades enfrentadas, mas também a importância de programas como DELPAZ em capacitar e apoiar as comunidades locais em busca da autossuficiência económica.

Smartphone e galinhas

O senhor Artur Mainato Randim já não quer ouvir falar de guerra. O tempo ajudou a esquecer os dias terríveis e agora só quer pensar na sua machamba e olhar para o futuro. É um dos DDR, as pessoas que entraram no programa de desarmamento, desmobilização e reintegração, resultado do acordo de paz de Maputo assinado em 2019.

O senhor Artur vive na comunidade de Missoche, no distrito de Dôa, na província de Tete.

Antigamente produzia milho, amendoim, feijão manteiga e nehmba, bananeiras e cana-deaçucar. Mas o seu sonho era cultivar tomate e repolho.

Com a chegada do DELPAZ –  o programa do Governo de Moçambique financiado pela União Europeia –  no distrito de Dôa, o seu sonho materializou-se.

Através da Fundação SEPPA – membro do consórcio que trabalha com a Agência Italiana de Cooperação no desenvolvimento (AICS) – recebeu sementes de repolho, tomate e feijão. Além disso, recebeu formação para produzir essas hortícolas, na sua machamba de 9800 metros quadrados.

A colheita foi generosa e com a venda das hortícolas o senhor Artur conseguiu comprar também um smartphone e cinco galinhas.

Agora mão à obra. Ele tenciona aumentar a área de produção para dois hectares e cultivar repolho, couve, cenoura e cebola, na segunda época do ano a decorrer.

“Espero mesmo que o DELPAZ perdure aqui porque muitos benefícios trouxe à nossa comunidade”, diz convicto o senhor Artur cujo sonho agora é se tornar um agricoltur modelo e até ser de exemplo para toda a comunidade.

Água: Instrumento de Paz

Comemora-se hoje o Dia Mundial da Água, uma data crucial que nos recorda a importância desse recurso vital para a sobrevivência humana e o equilíbrio dos ecossistemas. Este ano, o tema “Água para a Paz” destaca a capacidade da água de promover a paz e a cooperação entre comunidades e países.

Em Moçambique, a palavra “água” começa com “m”. Mati, massi, mazhi, matchi, mave, madzi, maze, madi, madji – todas essas variações ressoam com a raiz “m” e estão intimamente ligadas à fertilidade, à vida e à feminilidade. A água, assim como a mulher grávida, adapta-se às circunstâncias, supera obstáculos e dá à luz vida. É uma metáfora poderosa que reflete a natureza transformadora e vital da água.

No entanto, quando a água é escassa ou poluída, quando as pessoas têm acesso desigual ou nenhum acesso, as tensões podem surgir entre comunidades e países. As mudanças climáticas estão a exacerbar esses desafios, tornando ainda mais urgente a união em torno da protecção e conservação desse recurso precioso.

Em resposta a crises como a epidemia de cólera em Moçambique, trabalhando com as instituições moçambicanas, organizações internacionais, como o Central Emergency Response Fund (CERF), têm desempenhado um papel crucial, fornecendo financiamento para garantir acesso à água potável e serviços de saneamento básico para centenas de milhares de pessoas. A água contaminada representa o principal meio de transmissão da cólera, sendo assim garantir o acesso à água potável, é uma forma eficaz de travar a epidemia. A cooperação internacional, incluindo o investimento da Agência Italiana de Cooperação para o Desenvolvimento (AICS) no CERF, demonstra o poder da solidariedade e da cooperação global.

Além disso, iniciativas como o workshop sobre monitoramento e qualidade da água que teve lugar de 28 a 29 de Novembro 2023, organizado pelo centro de biotecnologia da Universidade “Eduardo Mondlane” (UEM) com o apoio da AICS, destacam o compromisso contínuo com a gestão sustentável dos recursos hídricos: foram ressaltados os desafios enfrentados por Moçambique, especialmente após eventos climáticos extremos como os ciclones, e a importância da cooperação internacional e do intercâmbio de conhecimentos para enfrentar esses desafios.

Em Cabo Delgado, a AICS junto com as Nações Unidas – nomeadamente com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa Alimentar Mundial (PAM) – têm apoiado as instituições moçambicanas a fornecer acesso à água potável e serviços básicos essenciais para crianças e famílias deslocadas em campos de acolhimento devido aos ataques violentos que continuam a ocorrer na região. Por exemplo nas localidades de Palma Sede, Quitunda e Mute, foram construídos 15 furos, e reabilitados outros 15. Foram realizadas 57 sessões de sensibilização, centradas na promoção de práticas de higiene positivas, incluindo a importância de lavar as mãos com água, como meio de prevenção de doenças. Estas sessões de sensibilização atingiram mais de 22.000 pessoas. Essas intervenções não apenas garantem o acesso à água limpa, mas também promovem a educação em higiene e saúde nas pessoas deslocadas pelo conflito em Cabo Delgado, demonstrando como a água está intrinsecamente ligada ao bem-estar humano, e ao desenvolvimento sustentável.

A AICS está activamente envolvida na construção de sistemas hídricos e na perfuração de poços nas áreas mais afectadas pela guerra civil através do DELPAZ. O DELPAZ, o programa do governo moçambicano e financiado pela União Europeia, com o suporte do Fundo Das Nações Unidas para o Desenvolvimento de Capital (UNCDF), é implementado nas Províncias de Manica e Tete pela AICS, enquanto a Agência Austríaca para o Desenvolvimento (ADA) actua na Província de Sofala. Esses esforços não apenas melhoram o acesso à água potável, mas também desempenham um papel crucial na restauração da confiança e da estabilidade nas comunidades devastadas pelo conflito. O Programa DELPAZ é um exemplo tangível de como a cooperação internacional pode transformar positivamente a vida das pessoas, promovendo a paz e a reconstrução pós-conflito através do acesso a recursos fundamentais como a água.

À medida que nos aproximamos do 10º Fórum Mundial da Água em Bali, Indonésia (18 a 25 de maio), é fundamental mantermos o intercâmbio de melhores práticas e colaboração global para abordar os desafios relacionados à água. A presença da Sede Regional da AICS em Maputo no fórum ressalta o compromisso contínuo da comunidade internacional em promover a gestão sustentável da água e alcançar objectivos de desenvolvimento comuns.

Reflexões e aspirações: as vozes dos beneficiários do DELPAZ nas províncias de Tete, Sofala e Manica

Enquanto o cenário político em Maputo discute fervorosamente a possibilidade de um Plano Nacional de Reinserção, estimulando um diálogo aprofundado entre as autoridades e a sociedade civil, um caminho para uma mudança tangível já está a ser percorrido nas províncias de Manica, Tete e Sofala. Estes passos, dados com determinação, já produziram resultados que merecem ser apoiados e podem constituir um ponto de partida sólido. No entanto, a solução não reside apenas em políticas e planos de ação, mas sobretudo na experiência directa e nas vozes autênticas dos protagonistas desta transformação.

Nos dias 21 e 22 de março, realizou-se em Maputo a Conferência Internacional sobre Reintegração Pós-Conflito, promovida pelo Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD), sob o alto patrocínio do Ministério da Justiça, do Ministério dos Combatentes e do Secretariado para a Paz (PPS). Entre os participantes, oriundos das províncias de Tete, Sofala e Manica, destacaram-se as vozes vibrantes de Florinda, Rita, Mário, Graça, Anita, Isabel, Carménia e Carlota.

Para muitos deles, era a primeira vez que se deslocavam a Maputo e traziam consigo uma mensagem cheia de esperança e urgência: “Queremos paz”, declararam enfaticamente. “Queremos trabalhar a terra, somos camponeses. Queremos cultivar a nossa própria comida, mandar os nossos filhos para a escola. Queremos viver em paz e, para isso, precisamos da vossa ajuda”. As suas palavras ressoam com uma urgência palpável, uma vez que reflectem necessidades essenciais: acesso à água, infra-estruturas, estradas, mercados, hospitais e escolas.

As experiências relatadas durante a conferência foram comoventes e esclarecedoras. Anita, com os olhos ainda incrédulos, comentou a visão da abundância de água nos hotéis de Maputo, contrastando com a realidade da sua comunidade, onde a água é um bem precioso que só pode ser alcançado após longas viagens. Mário, impressionado com a grandiosidade e vibração da capital, agradeceu ao DELPAZ por ter levado o furo de água à sua comunidade e novas práticas agrícolas, juntamente com sementes e ferramentas, expressando a importância de alargar este tipo de projectos a todas as comunidades carenciadas.

Florinda partilhou um sentimento de gratidão e reconhecimento: “Nós não éramos nada, mas agora estamos aqui a falar e vocês estão a ouvir-nos. O DELPAZ tornou-nos visíveis”. Estes testemunhos são um reflexo tangível do trabalho realizado pela DELPAZ, também evidenciado pela distribuição da Declaração de Inhanzónia, um símbolo de solidariedade e inclusão promovido através da organização do acampamento solidário em novembro do ano passado no distrito de Báruè.

O papel das mulheres como actores e líderes locais foi particularmente enfatizado, tendo Carlota Inhamussua, colaboradora ativa do Programa DELPAZ na Província de Sofala, partilhado experiências significativas como o projecto da poupança e da caixa dos sonhos. Estas actividades visam não só disponibilizar recursos tangíveis, mas também estimular os sonhos e objectivos das comunidades envolvidas, reforçando a confiança e o sentimento de pertença das pessoas às suas comunidades.

O caminho para a paz e a prosperidade exige um compromisso colectivo e sustentado. Quando estas comunidades começam a dar os primeiros passos em direção à mudança, é crucial que não sejam deixadas sozinhas. Precisam de tempo, apoio e recursos para crescerem e continuarem a cultivar a paz nos seus territórios. Só através de um compromisso partilhado e de uma solidariedade duradoura é que se pode garantir um futuro de esperança e prosperidade para todas as comunidades moçambicanas.

Todos eles têm clamado para não serem deixados sozinhos, agora que estão a começar a ‘gatinhar’ e precisam de mais tempo e apoio para poderem ‘crescer’ e continuar a cultivar a paz nas suas comunidades.

Para isso contribui também o DELPAZ, em parceria com o IMD, implementado pelo AICS em Manica e Tete, e pela ADA em Sofala, com o apoio do UNCFD. Para além de água, infra-estruturas, vias de acesso, sementes e novas práticas agrícolas, estimula os sonhos das comunidades mais afectadas pela violência armada, onde os beneficiários do DDR voltaram a viver, juntamente com as suas famílias.

Como repetidamente expresso pelo Embaixador da UE em Moçambique, Antonino Maggiore, “Como parceiros de Moçambique, estamos plenamente conscientes dos desafios que enfrentamos em matéria de reintegração e reconciliação; […] A paz e a reconciliação só podem ser alcançadas através de uma democracia próspera e da prosperidade em benefício de todos os cidadãos moçambicanos.”