Mozambique, Chimoio, Manica © Andrea Borgarello
Moçambique é um dos países mais afetados pelas alterações climáticas. Segundo o Índice Global de Risco Climático, publicado em 2021 pela ONG alemã Germanwatch[1], o país foi classificado como o mais vulnerável do mundo a estes impactos. O relatório destaca as consequências já sofridas por Moçambique, como os ciclones Idai e Kenneth, além de longos períodos de seca.
Atualmente, a Província de Manica, no centro do país, enfrenta os efeitos do El Niño[2], que provocou uma grave seca, afetando cerca de 1,8 milhões de pessoas. Fevereiro de 2024 foi o mês mais seco dos últimos 100 anos[3].
Bartolomeu Tenesse, beneficiário do programa DELPAZ[4], descreve a situação: “A fome este ano é assustadora. Existem famílias que se alimentam com farelo de milho, frutas e tubérculos selvagens. Outros passam dias sem comer“. Aida Diekson, agricultora no distrito de Macossa e beneficiária do projeto Mulheres no Sustenta, financiado pela Agência Italiana para a Cooperação ao Desenvolvimento (AICS)[5], conta que “Este ano não deu nada. Os tomates, as cebolas e as alfaces secaram.”
Os números confirmam estes relatos alarmantes, com 166.126 pessoas a enfrentarem uma insegurança alimentar aguda e cerca de 49.384 em situação de emergência na Província de Manica. Isso resulta em 39,1% das crianças com menos de cinco anos a sofrerem de desnutrição crónica.
Diante deste cenário alarmante, a AICS uniu esforços com o Governo do Moçambique para combater a fome e aumentar a produção agrícola na Província de Manica[6]. Estas ações são ainda mais relevantes, considerando os desafios contínuos impostos pelas alterações climáticas e a crescente insegurança alimentar no país.
Para reforçar estes esforços, a AICS, em colaboração com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), celebrou o Dia Mundial da Alimentação em Chimoio, capital da Província de Manica, sob o tema “O Direito ao Alimento para uma Vida e um Futuro Melhor“. Neste contexto, foi organizada uma série de atividades na Escola do Centro Nhamatsane, que refletem o compromisso comum em garantir que todos tenham acesso a alimentos nutritivos e de qualidade.
No seu discurso, Giovanni Barbagli, Responsável por Género e Desenvolvimento Rural e representante da Agência em Chimoio, sublinhou o compromisso da AICS na Província de Manica, destacando as várias intervenções[7] em curso que visam melhorar a segurança alimentar e a nutrição.
Ele também salientou, por exemplo, que a agricultura é um dos cinco pilares essenciais do Plano Mattei, aprovado este ano pelo Governo italiano. Barbagli mencionou ainda o Centro Agroalimentar de Manica (CAAM)[8], um investimento de 38 milhões de euros que será construído em Chimoio.
Este centro desempenhará um papel crucial na promoção de cadeias de valor agrícolas justas e inclusivas, ajudando a reforçar a resiliência dos agricultores e das comunidades face a fenómenos extremos, como o El Niño.
Garantir um mercado seguro para as produções locais é fundamental para estimular o crescimento agrícola e utilizar melhor os recursos naturais da Província. O CAAM visa estabilizar os preços dos produtos agrícolas, aumentando o preço de compra aos produtores, reduzindo o número de intermediários e criando uma cadeia curta entre produtor e consumidor.
Além disso, pretende valorizar os produtos agrícolas através da lavagem, calibração, embalagem, venda direta e por grosso; conservação e transformação das matérias-primas para a produção de sumos, polpas, óleos, óleos essenciais, frutas secas, desidratadas, etc. Uma vez satisfeito o mercado interno, o CAAM propõe-se olhar para a exportação, promovendo as excelências agrícolas do Moçambique no mercado internacional.
Situada no corredor da Beira, a Província de Manica é estratégica para a segurança alimentar do país. O CAAM não só adotará tecnologias verdes sustentáveis e valorizará o papel das mulheres, mas promoverá também a economia circular através de estudos técnicos que melhorarão a capacidade da região de enfrentar os desafios impostos por eventos climáticos adversos.
Celebrando o Dia Mundial da Alimentação, a AICS reafirma o seu compromisso em apoiar as comunidades de Manica, duramente atingidas pela seca provocada pelo El Niño. Através de projetos agrícolas e de resiliência climática, a agência procura garantir o acesso a alimentos seguros e nutritivos, contribuindo para mitigar os efeitos da insegurança alimentar na região.
[1] O próximo relatório será publicado em 2025, apresentando uma metodologia atualizada para melhorar a comparabilidade entre as classificações dos países e um conjunto de dados mais sustentável sobre os impactos climáticos para publicações futuras.
[2] O El Niño é um fenómeno climático caracterizado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico, que provoca perturbações nos padrões atmosféricos. Na província de Manica, em Moçambique, este fenómeno tem estado associado a graves secas, particularmente entre 2015 e 2016, quando as precipitações diminuíram até 50%. Atualmente, a região está a enfrentar novamente desafios relacionados com o El Niño, com previsões de seca que afetam a produção agrícola e aumentam a insegurança alimentar.
[3] Segundo dados do relatório publicado pelo OCHA, “El Niño Humanitarian Overview Southern Africa“
[4] O DELPAZ, financiado pela União Europeia em Moçambique, é um programa do governo moçambicano que trabalha para consolidar a paz em 14 distritos das províncias de Manica, Tete e Sofala. Na província de Manica, a Agência Italiana para a Cooperação ao Desenvolvimento (AICS) apoia o desenvolvimento económico, colaborando com as autoridades locais e com um consórcio de organizações da sociedade civil italianas e locais, liderado pela Helpcode
[5] A AICS está atualmente a financiar e implementar 7 intervenções na Província de Manica (Mulheres no Sustenta, PRODAI, Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural – PADR, DELPAZ, MAIS VALOR 1, MAIS VALOR 2 e CAAM), cada uma com diferentes parceiros implementadores, mas todas com um objetivo comum: erradicar a fome. Estas intervenções concentram-se no apoio a pequenas e médias empresas agrícolas, com iniciativas que incluem a comercialização dos seus produtos, a criação de espaços verdes, a distribuição de sementes, a instalação de sistemas de irrigação, a agroflorestação, a apicultura, etc., promovendo assim uma agricultura mais resiliente, sustentável e inclusiva.
[6] Para além dos vários projetos financiados pela AICS na Província de Manica, que visam fortalecer a segurança alimentar, em maio de 2024, entregámos, a pedido do Secretário de Estado da Província, 1.100 kg de sementes de feijão.
[7] (i) o PSSR (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural), realizado em parceria com o FAR, que tem como objetivo apoiar a agricultura comercial e o desenvolvimento da economia local, através do fortalecimento dos pequenos produtores e das organizações comunitárias, bem como das micro, pequenas e médias empresas agrícolas, por meio de serviços de assistência técnica e financeira, acesso à terra e formalização do seu uso, a fim de melhorar as capacidades produtivas e facilitar o acesso ao mercado da produção agroalimentar;
(ii) a iniciativa denominada “As Mulheres no SUSTENTA”, implementada por um consórcio de OSC italianas e moçambicanas, representadas pela Progettomondo, que promove a participação das mulheres na economia rural, através do apoio à inovação, com especial atenção para os processos produtivos e a valorização das cadeias de valor no setor agroalimentar;
(iii) Pro-DAI, iniciativa realizada pela FAO, que visa reduzir a pobreza e melhorar a segurança alimentar e nutricional através da transformação de sistemas alimentares diversificados, inovadores, eficientes, inclusivos e sustentáveis, e a adoção de modelos sustentáveis de intensificação da produção agrícola mediante práticas adequadas de gestão do solo e a promoção de sistemas agroflorestais com vista a reforçar a sustentabilidade económica, social e ecológica;
(iv) MAIS VALOR II – Melhorar o desenvolvimento inclusivo e sustentável das cadeias de aprovisionamento agrícola, iniciativa de assistência técnica implementada pela UNIDO, que visa aumentar as capacidades locais, a atualização tecnológica e a transferência de know-how para reforçar os modelos de agronegócio e contribuir para o desenvolvimento da agroindústria em Moçambique, concentrando-se na promoção do valor acrescentado e na melhoria da transformação agrícola, com intervenções nos setores da horticultura, da produção de café e de cereais.
[8] No dia 8 de julho de 2024, foi assinado um acordo para o desenvolvimento de um centro agroalimentar na província de Manica, Moçambique, no âmbito da Estrutura de Missão para a África Austral do Plano Mattei. O acordo foi subscrito por Stefano Gatti, Diretor-Geral para a Cooperação ao Desenvolvimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e por Paolo Lombardo, Diretor de Cooperação Internacional da Cassa Depositi e Prestiti, juntamente com Ernesto Max Elias Tonela, Ministro da Economia e Finanças de Moçambique. Este projeto, no valor de 38 milhões de euros, visa fortalecer a segurança alimentar e promover a agricultura sustentável.