Semeando a Paz em Guro

“Vê aquelas montanhas lá? Foram o meu refúgio durante o conflito. Até dormíamos com as serpentes…”, conta Manhanha Naissone, enquanto vai capinando na sua machamba no distrito de Guro.

Manhanha, membro da Associação “Zwichandisa Uone”, que significa “trabalho para viver” em shona, compartilha sua jornada de superação. A guerra pode estar distante, mas suas memórias ainda ecoam quando seu olhar se volta para as montanhas. “Quantas vezes tivemos que fugir até lá para escaparmos aos tiros, à morte…”.

Com a assinatura do Acordo de Cessação Definitiva das Hostilidades Militares, em 1 de agosto de 2019, na Gorongosa, Manhanha pôde voltar para casa e começar a cultivar na sua machamba. “Com o Acordo, as ideias mudaram e hoje conseguimos trabalhar juntos porque já não há mais cores, existe uma só cor que é a branca. A cor da paz!”

O Programa DELPAZ tem sido um apoio vital para a Associação Zwichandisa Uone, incluindo a criação do “Ponto Verde”, um espaço onde os agricultores recebem formação para novas técnicas agrícolas, resilientes e “smart”.

No ano passado, cada um dos seus 40 membros recebeu apoio no cultivo de milho, feijão, amendoim e mapira. Manhanha, junto com outros agricultores, aprendeu novas técnicas agrícolas com os pontos focais do DELPAZ. “Aumentamos de muito as nossas colheitas graças a essas novas técnicas”, afirma ela, “até agora podemos comercializar os nossos produtos no mercado”.

Manhanha não quer parar por aí. Além de semear horticolas na sua machamba, ela almeja que se semeiem “ideias de paz por todo o País e distritos” porque, como ela diz, “a guerra quando entra numa comunidade só traz destruição”.

Moçambique – Dia Mundial da Alimentação – A Sede da AICS em Maputo renova o seu compromisso com a nutrição e a resiliência no setor agrícola na Província de Manica

Mozambique, Chimoio, Manica © Andrea Borgarello

Moçambique é um dos países mais afetados pelas alterações climáticas. Segundo o Índice Global de Risco Climático, publicado em 2021 pela ONG alemã Germanwatch[1], o país foi classificado como o mais vulnerável do mundo a estes impactos. O relatório destaca as consequências já sofridas por Moçambique, como os ciclones Idai e Kenneth, além de longos períodos de seca.

Atualmente, a Província de Manica, no centro do país, enfrenta os efeitos do El Niño[2], que provocou uma grave seca, afetando cerca de 1,8 milhões de pessoas. Fevereiro de 2024 foi o mês mais seco dos últimos 100 anos[3].

Bartolomeu Tenesse, beneficiário do programa DELPAZ[4], descreve a situação: “A fome este ano é assustadora. Existem famílias que se alimentam com farelo de milho, frutas e tubérculos selvagens. Outros passam dias sem comer“. Aida Diekson, agricultora no distrito de Macossa e beneficiária do projeto Mulheres no Sustenta, financiado pela Agência Italiana para a Cooperação ao Desenvolvimento (AICS)[5], conta que “Este ano não deu nada. Os tomates, as cebolas e as alfaces secaram.”

Os números confirmam estes relatos alarmantes, com 166.126 pessoas a enfrentarem uma insegurança alimentar aguda e cerca de 49.384 em situação de emergência na Província de Manica. Isso resulta em 39,1% das crianças com menos de cinco anos a sofrerem de desnutrição crónica.

Diante deste cenário alarmante, a AICS uniu esforços com o Governo do Moçambique para combater a fome e aumentar a produção agrícola na Província de Manica[6]. Estas ações são ainda mais relevantes, considerando os desafios contínuos impostos pelas alterações climáticas e a crescente insegurança alimentar no país.

Para reforçar estes esforços, a AICS, em colaboração com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), celebrou o Dia Mundial da Alimentação em Chimoio, capital da Província de Manica, sob o tema “O Direito ao Alimento para uma Vida e um Futuro Melhor“. Neste contexto, foi organizada uma série de atividades na Escola do Centro Nhamatsane, que refletem o compromisso comum em garantir que todos tenham acesso a alimentos nutritivos e de qualidade.

No seu discurso, Giovanni Barbagli, Responsável por Género e Desenvolvimento Rural e representante da Agência em Chimoio, sublinhou o compromisso da AICS na Província de Manica, destacando as várias intervenções[7] em curso que visam melhorar a segurança alimentar e a nutrição.

Ele também salientou, por exemplo, que a agricultura é um dos cinco pilares essenciais do Plano Mattei, aprovado este ano pelo Governo italiano. Barbagli mencionou ainda o Centro Agroalimentar de Manica (CAAM)[8], um investimento de 38 milhões de euros que será construído em Chimoio.

Este centro desempenhará um papel crucial na promoção de cadeias de valor agrícolas justas e inclusivas, ajudando a reforçar a resiliência dos agricultores e das comunidades face a fenómenos extremos, como o El Niño.

Garantir um mercado seguro para as produções locais é fundamental para estimular o crescimento agrícola e utilizar melhor os recursos naturais da Província. O CAAM visa estabilizar os preços dos produtos agrícolas, aumentando o preço de compra aos produtores, reduzindo o número de intermediários e criando uma cadeia curta entre produtor e consumidor.

Além disso, pretende valorizar os produtos agrícolas através da lavagem, calibração, embalagem, venda direta e por grosso; conservação e transformação das matérias-primas para a produção de sumos, polpas, óleos, óleos essenciais, frutas secas, desidratadas, etc. Uma vez satisfeito o mercado interno, o CAAM propõe-se olhar para a exportação, promovendo as excelências agrícolas do Moçambique no mercado internacional.

Situada no corredor da Beira, a Província de Manica é estratégica para a segurança alimentar do país. O CAAM não só adotará tecnologias verdes sustentáveis e valorizará o papel das mulheres, mas promoverá também a economia circular através de estudos técnicos que melhorarão a capacidade da região de enfrentar os desafios impostos por eventos climáticos adversos.

Celebrando o Dia Mundial da Alimentação, a AICS reafirma o seu compromisso em apoiar as comunidades de Manica, duramente atingidas pela seca provocada pelo El Niño. Através de projetos agrícolas e de resiliência climática, a agência procura garantir o acesso a alimentos seguros e nutritivos, contribuindo para mitigar os efeitos da insegurança alimentar na região.

 

 

[1] O próximo relatório será publicado em 2025, apresentando uma metodologia atualizada para melhorar a comparabilidade entre as classificações dos países e um conjunto de dados mais sustentável sobre os impactos climáticos para publicações futuras.

[2] O El Niño é um fenómeno climático caracterizado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico, que provoca perturbações nos padrões atmosféricos. Na província de Manica, em Moçambique, este fenómeno tem estado associado a graves secas, particularmente entre 2015 e 2016, quando as precipitações diminuíram até 50%. Atualmente, a região está a enfrentar novamente desafios relacionados com o El Niño, com previsões de seca que afetam a produção agrícola e aumentam a insegurança alimentar.

[3] Segundo dados do relatório publicado pelo OCHA, “El Niño Humanitarian Overview Southern Africa

[4] O DELPAZ, financiado pela União Europeia em Moçambique, é um programa do governo moçambicano que trabalha para consolidar a paz em 14 distritos das províncias de Manica, Tete e Sofala. Na província de Manica, a Agência Italiana para a Cooperação ao Desenvolvimento (AICS) apoia o desenvolvimento económico, colaborando com as autoridades locais e com um consórcio de organizações da sociedade civil italianas e locais, liderado pela Helpcode

[5] A AICS está atualmente a financiar e implementar 7 intervenções na Província de Manica (Mulheres no Sustenta, PRODAI, Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural – PADR, DELPAZ, MAIS VALOR 1, MAIS VALOR 2 e CAAM), cada uma com diferentes parceiros implementadores, mas todas com um objetivo comum: erradicar a fome. Estas intervenções concentram-se no apoio a pequenas e médias empresas agrícolas, com iniciativas que incluem a comercialização dos seus produtos, a criação de espaços verdes, a distribuição de sementes, a instalação de sistemas de irrigação, a agroflorestação, a apicultura, etc., promovendo assim uma agricultura mais resiliente, sustentável e inclusiva.

[6] Para além dos vários projetos financiados pela AICS na Província de Manica, que visam fortalecer a segurança alimentar, em maio de 2024, entregámos, a pedido do Secretário de Estado da Província, 1.100 kg de sementes de feijão.

[7] (i) o PSSR (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural), realizado em parceria com o FAR, que tem como objetivo apoiar a agricultura comercial e o desenvolvimento da economia local, através do fortalecimento dos pequenos produtores e das organizações comunitárias, bem como das micro, pequenas e médias empresas agrícolas, por meio de serviços de assistência técnica e financeira, acesso à terra e formalização do seu uso, a fim de melhorar as capacidades produtivas e facilitar o acesso ao mercado da produção agroalimentar;

(ii) a iniciativa denominada “As Mulheres no SUSTENTA”, implementada por um consórcio de OSC italianas e moçambicanas, representadas pela Progettomondo, que promove a participação das mulheres na economia rural, através do apoio à inovação, com especial atenção para os processos produtivos e a valorização das cadeias de valor no setor agroalimentar;

(iii) Pro-DAI, iniciativa realizada pela FAO, que visa reduzir a pobreza e melhorar a segurança alimentar e nutricional através da transformação de sistemas alimentares diversificados, inovadores, eficientes, inclusivos e sustentáveis, e a adoção de modelos sustentáveis de intensificação da produção agrícola mediante práticas adequadas de gestão do solo e a promoção de sistemas agroflorestais com vista a reforçar a sustentabilidade económica, social e ecológica;

(iv) MAIS VALOR II – Melhorar o desenvolvimento inclusivo e sustentável das cadeias de aprovisionamento agrícola, iniciativa de assistência técnica implementada pela UNIDO, que visa aumentar as capacidades locais, a atualização tecnológica e a transferência de know-how para reforçar os modelos de agronegócio e contribuir para o desenvolvimento da agroindústria em Moçambique, concentrando-se na promoção do valor acrescentado e na melhoria da transformação agrícola, com intervenções nos setores da horticultura, da produção de café e de cereais.

[8] No dia 8 de julho de 2024, foi assinado um acordo para o desenvolvimento de um centro agroalimentar na província de Manica, Moçambique, no âmbito da Estrutura de Missão para a África Austral do Plano Mattei. O acordo foi subscrito por Stefano Gatti, Diretor-Geral para a Cooperação ao Desenvolvimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e por Paolo Lombardo, Diretor de Cooperação Internacional da Cassa Depositi e Prestiti, juntamente com Ernesto Max Elias Tonela, Ministro da Economia e Finanças de Moçambique. Este projeto, no valor de 38 milhões de euros, visa fortalecer a segurança alimentar e promover a agricultura sustentável.