Bartolomeu, o ex-guerrilheiro que vive da agricultura no “deserto”

Bartolomeu Tenesse, 58 anos, lutou por 13 anos na guerrilha da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), numa frente que tinha a missão de sustentar a guerra civil, com armamento que devia assaltar em quartéis. Foi desmobilizado duas vezes, a última em Junho de 2021 e está pela segunda vez na chamada vida civil.

O ex-guerrilheiro está a lutar agora para sustentar a sua comunidade, com a agricultura que pratica no povoado de Casado, em Tambara, um distrito de clima seco de estepe, com inverno seco e baixa precipitação anual.

O distrito de Tambara, na província de Manica, no centro de Moçambique, está a ser atingido por uma fome severa, provocada por uma seca induzida pelo fenómeno El Niño, que tem devastado colheitas. Tambara separa-se, através do rio Zambeze, com o distrito de Mgabu, no Malawi, que foi declarado estado de calamidade devido ao fenômeno.

“A fome este ano é assustadora, há famílias a se alimentar de farelo de milho, frutas e tubérculos silvestres. Outros passam dias a fio sem comer. Então se eu intensificar essa agricultura, com boa disponibilidade de água, posso enfrentar qualquer tipo de fome”, afirma Bartolomeu Tenesse, com a mão no queixo e o braço sustentado no cabo da enxada.

Bartolomeu, foi recrutado para a guerrilha aos 15 anos, em 1985, em Angónia (Tete), quando fazia uma viagem para Blantyre, em busca de emprego no Malawi, durante a guerra civil que durou 16 anos.

“O nosso carro foi interpelado, foram separados os jovens e levados para um lugar, onde pernoitamos. Ao amanhecer, ficamos surpresos ao ver que estávamos sendo controlados por homens com armas em punho. Avisaram-nos que devíamos cumprir a tarefa de trazer democracia no país”, quando foi levado para treino militar na base de Chiriza, em Angónia.

Ficou naquela base até 1987, fazendo operações na província de Tete, quando foi solicitado na base central Merece-Chamboco, na serra da Gorongosa, onde conheceu e dialogou com o líder histórico, Afonso Dhlakama.

“Saudamos o presidente (Afonso) Dhlakama, como soldados de Tete. Daí fomos divididos em grupos pequenos, e passei para Inhaminga, em Sofala. Depois engajamos em Dondo, Nhamatanda, Shemba até regressar a uma das bases na província de Tete”.

Acrescentou: “a nossa tarefa era combater e recolher o material bélico para as nossas bases, numa dessas missões de entregas de armas, fui levado novamente até ao local onde estava o presidente Afonso Dhlakama”. Foi depois reconhecido por essas missões e poucos anos depois foi alcançado o Acordo Geral de Paz (AGP), de Roma, em 1992.

Mesmo “em paz, ficávamos a sofrer, sem liberdade e nem democracia”, o que o levou a regressar às matas em 2017, a partir da base de Nhandete (Tambara), de onde choraram “amargamente” a morte de Afonso Dhlakama, em Maio de 2018, até ser desmobilizado pela segunda vez em Junho de 2021, em Barué, no âmbito do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) – que resulta do acordo de paz de Maputo assinado em 2019.

Como a maioria dos ex-guerrilheiros da Renamo, Bartolomeu foi desmobilizado pela primeira vez em 1994, pela missão de paz das Nações Unidas em Moçambique (Onumoz).
O ex-guerrilheiro lembra que na segunda desmobilização, voltou para a aldeia de acolhimento em Tambara, com uma catana, enxada, machado, uma variedade de sementes agrícolas e uma promessa de projetos de desenvolvimento e pensão de sobrevivência.

“Disseram que viriam projetos e recebemos o programa DELPAZ. Na verdade, montou um sistema de irrigação por gravidade que estamos a usar desde o ano passado. Beneficiamos também de sementes e assistência de extensionistas do programa que esta a ajudar a aumentar muito a produção num sítio difícil de produzir, por ser uma zona seca”, explica Bartolomeu Tenesse

O ex-guerrilheiro é membro de uma das 10 associações de camponeses que recebe apoio do programa DELPAZ, que dá especial atenção à criação de oportunidades para jovens, mulheres, bem como ex-combatentes e suas famílias.

Bartolomeu e parte de sua família trabalham no Ponto Verde de Tambara, um campo de transferência de tecnologias, que assiste com tecnologias e práticas agrícolas inteligentes para o aumento da produção e produtividade das 10 associações agrícolas e da população de Tambara.

 

Semeando a Paz em Guro

“Vê aquelas montanhas lá? Foram o meu refúgio durante o conflito. Até dormíamos com as serpentes…”, conta Manhanha Naissone, enquanto vai capinando na sua machamba no distrito de Guro.

Manhanha, membro da Associação “Zwichandisa Uone”, que significa “trabalho para viver” em shona, compartilha sua jornada de superação. A guerra pode estar distante, mas suas memórias ainda ecoam quando seu olhar se volta para as montanhas. “Quantas vezes tivemos que fugir até lá para escaparmos aos tiros, à morte…”.

Com a assinatura do Acordo de Cessação Definitiva das Hostilidades Militares, em 1 de agosto de 2019, na Gorongosa, Manhanha pôde voltar para casa e começar a cultivar na sua machamba. “Com o Acordo, as ideias mudaram e hoje conseguimos trabalhar juntos porque já não há mais cores, existe uma só cor que é a branca. A cor da paz!”

O Programa DELPAZ tem sido um apoio vital para a Associação Zwichandisa Uone, incluindo a criação do “Ponto Verde”, um espaço onde os agricultores recebem formação para novas técnicas agrícolas, resilientes e “smart”.

No ano passado, cada um dos seus 40 membros recebeu apoio no cultivo de milho, feijão, amendoim e mapira. Manhanha, junto com outros agricultores, aprendeu novas técnicas agrícolas com os pontos focais do DELPAZ. “Aumentamos de muito as nossas colheitas graças a essas novas técnicas”, afirma ela, “até agora podemos comercializar os nossos produtos no mercado”.

Manhanha não quer parar por aí. Além de semear horticolas na sua machamba, ela almeja que se semeiem “ideias de paz por todo o País e distritos” porque, como ela diz, “a guerra quando entra numa comunidade só traz destruição”.

Evelina, a ex-cozinheira de Afonso Dhlakama que usou pela primeira vez semente certificada

Como tradição familiar, Evelina Zacarias, tinha guardado no celeiro uma porção de grãos de milho da sua colheita para usar como semente na campanha agrícola seguinte, em 2023, mas as mudanças climáticas, que tem provocado seca na sua aldeia, desafiaram a prática.

Ph. André Catueira

“Sempre guardávamos os grãos que pareciam mais saudáveis. Isso é tradição, desde os meus avos, mas com as falhas do ciclo de chuva, as sementes germinavam e definhavam ao florir por causa do sol nesta fase e, perdíamos assim a maior produção, escapando uma e outra espiga” no campo, que depois era colhido e guardado novamente para sementeira, explica.

A ex-guerrilheira da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), foi reintegrada após sua recente desmobilização na aldeia em Zivale, localidade do interior de Muda Serração, distrito de Gondola, na província de Manica, onde além de se dedicar a família, ocupa-se da agricultura para se sustentar.

Ela filiou-se a uma associação de camponeses, no âmbito do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) Social, e recebeu pela primeira vez semente certificada, através de uma linha de apoio do DELPAZ.

“Recebemos a semente certificada e lancei pela primeira vez no campo. Desconfiada, reservei uma parcela onde lancei a semente familiar (tradicional), mas tudo que germinou morreu por causa do sol. Toda a comida que tenho hoje saiu da semente certificada”, explicou.

“A semente certificada melhorou muito minha renda de produção no campo. Não tinha ideia de que a seca era provocada por mudanças climáticas, e que era preciso responder com novas técnicas agrícolas e sementes melhoradas que os técnicos do DELPAZ estão a nos ensinar”, observa, enquanto arruma molhos de capim, que vão cobrir um novo celeiro.

Evelina Zacarias, 50 anos, que se reintegrou em Zivale, combateu durante 18 anos pela guerrilha da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), servindo como cuidadora dos filhos do líder histórico e depois como cozinheira de Afonso Dhlakama, e foi desmobilizada duas vezes, a última em Junho de 2020.

Evelina foi recrutada para a guerrilha aos 7 anos em 1981, na guerra civil que durou 16 anos, e foi desmobilizada pela primeira vez em 1994, pela missão de paz das Nações Unidas em Moçambique (Onumoz). Após 18 anos na vida civil, voltou a integrar a guerrilha para “lutar pela democracia” em 2012, quando Afonso Dhlakama convocou e reagrupou os ex-guerrilheiros na serra da Gorongosa, em Sofala.

Ph. André Catueira

“Fui recrutada juntamente com o meu pai em Mpunga e dai com o general Ossufo (Momade) partimos para Gorongosa, seguimos para uma base em Maringue e depois para Massala”, num trajeto feito durante meses a pé, conta, realçando que foi em Massala onde foi desmobilizada pela primeira vez.

Agora mãe de 8 filhos, todos nascidos durante os intervalos dos conflitos, teve um treinamento militar inicialmente para o combate, mas depois foi destacada a cuidar dos filhos do presidente Afonso Dhlakama, a quem também serviu como cozinheira mais tarde.

“Havia casas onde estavam as esposas do líder e as crianças, e nos cuidávamos deles. Lavávamos suas roupas nos rios e cozinhávamos para eles até a guerra terminar. O presidente Dhlakama vinha sempre lá onde estavam as esposas e filhos, e dava-nos garantias que um dia a guerra iria terminar, e isso sucedeu até que fomos desmobilizados pela primeira vez em 1992″, conta com uma energia invejável nos gestos.

A ex-guerrilheira lembra que na primeira desmobilização, voltou para a aldeia natal em Búzi, com uma catana, um machado, uma enxada e um cheque do banco, que nunca chegou a levantar, porque ardeu na palhota onde vivia durante uma queimada descontrolada.

Ela foi novamente desmobilizada no âmbito do processo de Desmobilização, Desarmamento e Reintegração (DDR) – que resulta do acordo de paz assinado em 2019 – esta a dedicar a vida a família e a agricultura.

“Estamos a aprender a vencer a seca com novas formas de produzir e isso fara a nossa renda muito melhor para cuidarmos a nossa família”, revela Evelina, num habitual sorriso discreto que destaca os traços negros que atravessam o seu rosto.

Ela tem esperança de um dia mecanizar a sua agricultura, e abandonar a enxada de cabo curto, que usa para cultivar seus dois hectares de terra, exclusivamente dedicados ao cultivo de milho e gergelim.

Os ex-guerrilheiros fazem parte de milhares de beneficiários do Programa DELPAZ que está a assegurar a reintegração económica e social de todos os ex-combatentes, suas famílias e comunidades rurais atingidas pelo conflito para alcançar uma paz duradoura em Moçambique.

 

Revolucionando o abastecimento de água: a comunidade de Malimanao celebra a recuperação da bomba d’água

No coração da comunidade de Malimanao, no posto administrativo de Nhamagua, uma festa extraordinária foi celebrada ontem, marcada pela entrega oficial da bomba d’água recuperada, nas mãos de António Dinis, administrador do distrito de Macossa, na província de Manica. O evento representou um passo significativo para garantir um acesso sustentável à água potável para todos os membros da comunidade.

António Dinis expressou profunda gratidão ao Programa DELPAZ, que apoiou ativamente o processo de reabilitação das bombas d’água. “Estamos muito agradecidos ao Programa DELPAZ, que nos proporcionou um valioso apoio na reabilitação de nossas bombas. Isso contribuirá imensamente para o bem-estar de nossas comunidades”, afirmou o administrador. Ele também enfatizou a importância de a comunidade assumir agora a responsabilidade pela manutenção e uso sábio desse recurso vital.

A cerimônia viu a entrega de uma bomba do tipo Afridev, uma das sete recentemente recuperadas pelo Programa DELPAZ. Rosita Panazache, representante da comunidade de Malimanao, compartilhou sua alegria ao ver finalmente a água facilmente acessível. “Agora podemos economizar tempo, já que não será mais necessário percorrer longas distâncias para buscar água nos poços tradicionais”, declarou.

Pedro Paunde, porta-voz da comunidade, destacou a importância da bomba não apenas em facilitar o acesso à água, mas também na prevenção de doenças. “A água não apenas nos nutre, mas nos protege contra doenças. Faço um apelo a todas as comunidades para que possam desfrutar do privilégio de ter sua própria bomba d’água”, afirmou.

O evento foi ainda mais especial com a presença de Carlos Mairoce, representante da componente italiana do Programa DELPAZ, e de Paolo Gomiero, representante da ONG Helpcode. Sofrimento João Francisco, diretor do Serviço Distrital de Planejamento e Infraestruturas (SDPI), enfatizou o compromisso com o desenvolvimento sustentável e a importância das infraestruturas para o progresso da comunidade.

Esta celebração não apenas marca um avanço na oferta de água segura e acessível, mas também representa um exemplo tangível de como a colaboração entre organizações e comunidades pode trazer mudanças significativas para o bem de todos. Uma prova de esperança e progresso para as pessoas da comunidade de Malimanao e uma inspiração para muitas outras comunidades perseguirem uma vida melhor através do acesso à água potável.

Reflexão sobre os Pontos Verdes em Manica: desafios, impacto e sustentabilidade

DELPAZ organizou um seminário de reflexão, no dia 24 de fevereiro, na Província de Manica sobre os Pontos Verdes (PV), espaços dedicados à promoção de tecnologias agrícolas sustentáveis, capacitação de agricultores e fortalecimento da segurança alimentar e da capacidade produtiva das associações, com um enfoque no mercado.

O encontro reuniu os presidentes das associações que gerem os PV, pontos focais, diretores do SDAE e a equipa técnica do projeto, num ambiente de partilha de ideias, experiências e visões para o futuro. O objetivo principal foi avaliar o impacto destes centros, identificar desafios e explorar oportunidades para garantir a sua sustentabilidade e expansão.

Os Pontos Verdes como motores de desenvolvimento rural

Os testemunhos dos participantes demonstraram o papel crucial dos PV no apoio aos agricultores locais. Quentino Suite, presidente do PV de Macossa, destacou os progressos alcançados: “O nosso PV já se tornou uma escola para os outros produtores. E se as coisas continuarem como estão agora, em breve teremos capacidade para adquirir um meio de transporte para escoar os produtos. Já temos compradores que vêm de Chemba, Marínguè e Gorongosa para os adquirir.”

Por sua vez, Isac Cerveja, presidente do PV de Báruè, sublinhou os benefícios da infraestrutura e dos investimentos feitos: “Com a capacidade de rega que temos agora, graças ao DELPAZ, podemos produzir até dois hectares de hortícolas e expandir ainda mais a nossa base de venda.”

O caminho para a sustentabilidade dos PV

O seminário marcou também o início do processo de desenho da estratégia de sustentabilidade dos PV, um passo essencial para garantir a continuidade e o crescimento destas iniciativas. Entre os aspetos discutidos, destacam-se:

  • A busca por parcerias justas, que possam apoiar e fortalecer as associações locais;
  • O apoio à formalização das associações, permitindo-lhes uma maior autonomia e acesso a novas oportunidades de financiamento e mercado;
  • O reforço das capacidades técnicas e organizacionais, para consolidar os PV como referências na agricultura sustentável da região.

Através destas iniciativas, o Programa DELPAZ reafirma o seu compromisso com o desenvolvimento rural sustentável, promovendo a resiliência dos agricultores e impulsionando a economia local. O seminário foi um passo importante para garantir que os Pontos Verdes continuem a crescer e a gerar impacto positivo nas comunidades onde operam.

Para além dos desafios: a história de Berta Arlindo, empreendedora corajosa em Moçambique rural

Num distrito remoto de Moçambique, na província de Manica, Berta Arlindo, de 24 anos, destaca-se como uma verdadeira empreendedora, desafiando as adversidades locais para construir o próprio destino. Residente em Macossa, formada em contabilidade e auditoria pela Universidade de Chimoio, Berta decidiu enfrentar a situação do desemprego de frente e iniciou um negócio de criação e venda de frangos no ano passado.

Para Berta, o desemprego foi o catalisador que a impulsionou a encontrar soluções para enfrentar as despesas. Apesar dos esforços para procurar emprego após os estudos, não teve sucesso. Mesmo com o marido empregado, o desejo de ser autossuficiente e independente a motivou a empreender.

Ser uma empreendedora em Macossa não é uma tarefa fácil. O sucesso de seu negócio de frangos depende fortemente dos picos de mercado, como durante o Natal e o Ano Novo, quando a demanda aumenta. No entanto, enfrenta meses mais lentos, tornando difícil a venda de seus produtos. Berta enfrenta desafios adicionais devido à falta de acesso a produtos relacionados à avicultura e medicamentos para tratar doenças de frangos, já que em Macossa não há nenhuma loja especializada.

A falta de acesso a esses recursos a obriga a viajar por cinco horas até Chimoio sempre que se depara com problemas de saúde em seus frangos. Apesar desses obstáculos, Berta permanece optimista, reconhecendo as contingências do país, mas sorrindo diante das dificuldades.

Berta decidiu iniciar o negócio de frangos por duas razões principais. Em primeiro lugar, notou a ausência de concorrência directa na criação de frangos em Macossa, oferecendo uma oportunidade única de negócio. Em segundo lugar, reconheceu o valor nutricional importante do frango, especialmente numa região onde o acesso a fontes de proteína animal pode ser limitado.

A empreendedora destaca o papel significativo do programa DELPAZ na comunidade, mencionando a distribuição de sementes para a prática da agricultura. Além disso, Berta espera tirar proveito das formações previstas pelo programa em microcrédito ou marketing, visando atrair novos clientes e melhorar a estrutura do seu negócio.

Berta Arlindo reconhece os desafios adicionais que as mulheres empreendedoras enfrentam em Macossa devido à falta de oportunidades, mas a sua resiliência e determinação são fontes de inspiração. A sua história destaca não apenas as dificuldades enfrentadas, mas também a importância de programas como DELPAZ em capacitar e apoiar as comunidades locais em busca da autossuficiência económica.

Mulheres reiteram com grito “não à guerra” em acampamento solidário em Guro

Mais de 250 mulheres das províncias de Tete, Manica e Sofala reiteraram com um grito uníssono, “não à guerra”, na abertura a 15 de abril do segundo acampamento solidário promovido pelo Programa DELPAZ até 16 de Abril no distrito de Guro, na província de Manica, realçando que a paz e segurança estão a cooperar para sua consolidação económica.

O acampamento solidário de dois dias que decorre sob o lema “Mulheres de mãos dadas, construindo paz através do desenvolvimento económico inclusivo”, reúne no mesmo espaço mulheres de diferentes origens, trajetórias e histórias, para compartilhar saberes, fortalecer os laços de afeição e construir coletivamente ideias para a sua autonomia económica.

Num ambiente onde o protagonismo feminino floresce, elas admitem que os desafios enfrentados pelas mulheres no campo, na cidade e nas periferias podem serem agravados por conflitos, enquanto já assinalaram avanços gigantescos no seu empoderamento.

“Continuamos a encorajar a mulher na busca pela paz e segurança, porque é num espaço seguro onde ela consegue tomar decisões”, referiu Anchia Mulima, coordenadora da Levanta Mulher e Siga o Seu Caminho (LEMUSICA), que integra a Rede Feminina Centro.

Acrescentou que “a nossa expectativa neste acampamento é que as mulheres continuem a crescer economicamente. Daí o nosso grito [não à guerra]. A estabilidade económica vai reduzir a tripla violência de que as mulheres são vitimas: doméstica, física e económica”.

Para ela a violência, desigualdade, machismo, falta de acesso a terra, a moradia e aos direitos básicos devem ser parte da declaração deste ano, para que os decisores tenham em consideração as lutas das mulheres.

Outra participante, Inês Chifinha, coordenadora do grupo de mulher de partilha de ideia de Sofala (GMPIS), anota que “como o DELPAZ está no fim e estamos também a finalizar os acampamentos, queremos que as mulheres continuem a implementar os conhecimentos obtidos, nas várias áreas, para sua sustentabilidade económica”.

“Queremos que a mulher tenha autonomia económica, para não depender do governo e nem de projetos [que vem e vão], e use o conhecimento valioso na agricultura promovido pelo DELPAZ para sua riqueza”, enfatizou.

Enquanto embala o seu filho no colo, Elsa Francisco, olha o acampamento como um lugar de esperança, e aguarda sair dali diferente em conhecimento, com os calorosos debates nas rodas de conversa, cantos e partilhas.

Durante a tarde da terça-feira as mulheres debateram efusivamente temas como: conflitos armados, construção da paz inclusiva, economia da mulher e empoderamento económico, mudanças climáticas, género e agenda 1325, além da violência baseada no género.

Além dos debates, as mulheres visitaram a feira das mulheres, onde estão expostos produtos produzidos por elas com o conhecimento adquirido no âmbito do DELPAZ.

Para assegurar a inclusão de todas e todos o acampamento utiliza métodos feministas de base comunitária que se centram na utilização de uma abordagem transformadora, de diálogos nas línguas locais a fim de criar empatia e aumentar a autoestima e espaços seguros como a lareira das mulheres que se realiza na noite de 15 de Abril.

 Cada mulher chega ao acampamento, traz sua força, sua dor, sua luta, e sai mais forte, mais consciente e mais conectadas com as outras, que também sonham e lutam para um Moçambique melhor.

Este é o segundo acampamento solidário, onde as vozes e histórias das mulheres, como atores locais do DELPAZ, em Manica, Sofala e Tete, estão a ser partilhadas e escutadas, e que depois será elaborada uma declaração que garanta que as necessidades das mulheres sejam devidamente consideradas.

O primeiro foi realizado em Novembro de 2023, em Inhazónia, distrito de Barué, ainda na província de Manica.

O DELPAZ, um programa do Governo de Moçambique, financiado pela União Europeia, abrange os temas da Governação Local e do Desenvolvimento Economico Local para a consolidação da paz. Em estrita coordenação com os governos locais, e’ implementado pela Agência Italiana de Cooperação para o Desenvolvimento (AICS), com a colaboração de dois consórcios de organizações da sociedade civil liderados pela ONG Helpcode na Província de Manica, e pela ONG Save The Children na Província de Tete; enquanto em Sofala o programa é implementado pela Agência Austríaca de Desenvolvimento (ADA). Nas tres Províncias, o Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento de Capital  (UNCDF) é responsável pela componente de governação local inclusiva.

A AICS financia também uma outra iniciativa chamada “Manica para as Mulheres”, coordenada pelo Progettomondo em parceria com CAM (Consórcio de Associações de Moçambicana), a Helpcode,  Fundação Micaia GMPIS, AITR (Associação Italiana de Turismo Responsável) e Legacoop Emilia-Romagna. “Manica para as Mulheres” visa promover a paz e o desenvolvimento sustentável e inclusivo na província de Manica através da participação das mulheres na economia rural, com foco nos sectores agrícola, comercial e de turismo rural nos distritos de Báruè, Macossa, Tambara e Guro.

Smartphone e galinhas

O senhor Artur Mainato Randim já não quer ouvir falar de guerra. O tempo ajudou a esquecer os dias terríveis e agora só quer pensar na sua machamba e olhar para o futuro. É um dos DDR, as pessoas que entraram no programa de desarmamento, desmobilização e reintegração, resultado do acordo de paz de Maputo assinado em 2019.

O senhor Artur vive na comunidade de Missoche, no distrito de Dôa, na província de Tete.

Antigamente produzia milho, amendoim, feijão manteiga e nehmba, bananeiras e cana-deaçucar. Mas o seu sonho era cultivar tomate e repolho.

Com a chegada do DELPAZ –  o programa do Governo de Moçambique financiado pela União Europeia –  no distrito de Dôa, o seu sonho materializou-se.

Através da Fundação SEPPA – membro do consórcio que trabalha com a Agência Italiana de Cooperação no desenvolvimento (AICS) – recebeu sementes de repolho, tomate e feijão. Além disso, recebeu formação para produzir essas hortícolas, na sua machamba de 9800 metros quadrados.

A colheita foi generosa e com a venda das hortícolas o senhor Artur conseguiu comprar também um smartphone e cinco galinhas.

Agora mão à obra. Ele tenciona aumentar a área de produção para dois hectares e cultivar repolho, couve, cenoura e cebola, na segunda época do ano a decorrer.

“Espero mesmo que o DELPAZ perdure aqui porque muitos benefícios trouxe à nossa comunidade”, diz convicto o senhor Artur cujo sonho agora é se tornar um agricoltur modelo e até ser de exemplo para toda a comunidade.

Água: Instrumento de Paz

Comemora-se hoje o Dia Mundial da Água, uma data crucial que nos recorda a importância desse recurso vital para a sobrevivência humana e o equilíbrio dos ecossistemas. Este ano, o tema “Água para a Paz” destaca a capacidade da água de promover a paz e a cooperação entre comunidades e países.

Em Moçambique, a palavra “água” começa com “m”. Mati, massi, mazhi, matchi, mave, madzi, maze, madi, madji – todas essas variações ressoam com a raiz “m” e estão intimamente ligadas à fertilidade, à vida e à feminilidade. A água, assim como a mulher grávida, adapta-se às circunstâncias, supera obstáculos e dá à luz vida. É uma metáfora poderosa que reflete a natureza transformadora e vital da água.

No entanto, quando a água é escassa ou poluída, quando as pessoas têm acesso desigual ou nenhum acesso, as tensões podem surgir entre comunidades e países. As mudanças climáticas estão a exacerbar esses desafios, tornando ainda mais urgente a união em torno da protecção e conservação desse recurso precioso.

Em resposta a crises como a epidemia de cólera em Moçambique, trabalhando com as instituições moçambicanas, organizações internacionais, como o Central Emergency Response Fund (CERF), têm desempenhado um papel crucial, fornecendo financiamento para garantir acesso à água potável e serviços de saneamento básico para centenas de milhares de pessoas. A água contaminada representa o principal meio de transmissão da cólera, sendo assim garantir o acesso à água potável, é uma forma eficaz de travar a epidemia. A cooperação internacional, incluindo o investimento da Agência Italiana de Cooperação para o Desenvolvimento (AICS) no CERF, demonstra o poder da solidariedade e da cooperação global.

Além disso, iniciativas como o workshop sobre monitoramento e qualidade da água que teve lugar de 28 a 29 de Novembro 2023, organizado pelo centro de biotecnologia da Universidade “Eduardo Mondlane” (UEM) com o apoio da AICS, destacam o compromisso contínuo com a gestão sustentável dos recursos hídricos: foram ressaltados os desafios enfrentados por Moçambique, especialmente após eventos climáticos extremos como os ciclones, e a importância da cooperação internacional e do intercâmbio de conhecimentos para enfrentar esses desafios.

Em Cabo Delgado, a AICS junto com as Nações Unidas – nomeadamente com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa Alimentar Mundial (PAM) – têm apoiado as instituições moçambicanas a fornecer acesso à água potável e serviços básicos essenciais para crianças e famílias deslocadas em campos de acolhimento devido aos ataques violentos que continuam a ocorrer na região. Por exemplo nas localidades de Palma Sede, Quitunda e Mute, foram construídos 15 furos, e reabilitados outros 15. Foram realizadas 57 sessões de sensibilização, centradas na promoção de práticas de higiene positivas, incluindo a importância de lavar as mãos com água, como meio de prevenção de doenças. Estas sessões de sensibilização atingiram mais de 22.000 pessoas. Essas intervenções não apenas garantem o acesso à água limpa, mas também promovem a educação em higiene e saúde nas pessoas deslocadas pelo conflito em Cabo Delgado, demonstrando como a água está intrinsecamente ligada ao bem-estar humano, e ao desenvolvimento sustentável.

A AICS está activamente envolvida na construção de sistemas hídricos e na perfuração de poços nas áreas mais afectadas pela guerra civil através do DELPAZ. O DELPAZ, o programa do governo moçambicano e financiado pela União Europeia, com o suporte do Fundo Das Nações Unidas para o Desenvolvimento de Capital (UNCDF), é implementado nas Províncias de Manica e Tete pela AICS, enquanto a Agência Austríaca para o Desenvolvimento (ADA) actua na Província de Sofala. Esses esforços não apenas melhoram o acesso à água potável, mas também desempenham um papel crucial na restauração da confiança e da estabilidade nas comunidades devastadas pelo conflito. O Programa DELPAZ é um exemplo tangível de como a cooperação internacional pode transformar positivamente a vida das pessoas, promovendo a paz e a reconstrução pós-conflito através do acesso a recursos fundamentais como a água.

À medida que nos aproximamos do 10º Fórum Mundial da Água em Bali, Indonésia (18 a 25 de maio), é fundamental mantermos o intercâmbio de melhores práticas e colaboração global para abordar os desafios relacionados à água. A presença da Sede Regional da AICS em Maputo no fórum ressalta o compromisso contínuo da comunidade internacional em promover a gestão sustentável da água e alcançar objectivos de desenvolvimento comuns.

Fazer as coisas acontecerem

“Espero que regressem a casa diferentes da forma como chegaram, que se sintam mudados: para que possam transformar as vossas vidas e as vidas das comunidades em que vivem. Façam as coisas acontecerem!” Foi com estas palavras que Hermenegildo Rodrigues Arnaldo, director do Instituto Agrário de Chimoio (IAC), encerrou no dia 13 de abril a cerimónia de entrega dos certificados de conclusão do primeiro curso de formação em ‘Produção agrícola, produção animal e técnicas de transformação’ a 72 jovens do Distrito de Barué, na Província de Manica.

O curso de formação profissional de curta duração, com a duração de duas semanas, contou com a participação de 18 mulheres jovens e 54 homens jovens, 20 dos quais provenientes de famílias beneficiárias do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR), em aulas teóricas e práticas sobre temas como a agricultura de conservação, técnicas de irrigação, controlo de pragas, criação de animais e produção de alimentos para animais, e a transformação e conservação de produtos agrícolas.

Nas próximas semanas, mais 328 jovens dos Distritos de Gondola, Guro, Macossa e Tambara vão participar em mais quatro ciclos de formação sobre os mesmos temas – uma das actividades chave do projeto DELPAZ na Província de Manica, que prossegue agora com estágios nas associações de produtores com quem o DELPAZ trabalha sob a supervisão dos técnicos agrónomos dos Serviços Distritais das Actividades Económicas formados em 2023.

Realizado pela Progettoomondo, um dos parceiros do consórcio que implementa o projecto, o curso decorreu no IAC, um dos parceiros institucionais do DELPAZ e também um dos principais institutos de formação profissional do país, que acolhe estudantes de todas as províncias e os forma em áreas como Agronomia, Medicina Veterinária, Engenharia Florestal e Conservação da Fauna Bravia, desempenhando um papel crucial na integração social e capacitação dos jovens.

O dia foi animado e alegre, entre momentos oficiais e trocas mais informais, que permitiram conversar com os alunos e alunas, que mostram – como se pode ler nas linhas seguintes – que regressam a casa com ideias e perspectivas muito diferentes, mas todos com grande motivação, e com novas amizades.

 

“Saio daqui com a ideia clara de que quero ir para a suinicultura: é a parte do curso que mais me apaixonou e tem um grande potencial” (Jordao Jairosse, de 31 anos, da comunidade de Honde)

“Já sou agricultor, mas aprendi coisas que não sabia, como a transformação de produtos agrícolas, que é algo que quero começar a fazer, nomeadamente com a produção de óleo de sésamo” (Armindo Inoque Jose, de 31 anos, de Nhassacara)

“Apercebi-me que quero continuar a formação e a estudar, gostaria que o curso tivesse durado mais tempo, mas depois apercebi-me do que me interessa” (Micheque Albertino Januario, de 21 anos, da comunidade de Chuala)

“Queremos trabalhar em grupo, organizarmo-nos. Vamos precisar de apoio, de alguns fundos para os primeiros investimentos, mas temos de começar” (Niquilone Fevereiro, 22 anos, de Chuala)

“Eu tenho o meu próprio campo. Cultivo milho, madumbe (taro), tseke (amaranto), mapira (sorgo). Onde é que eu gostaria de estar daqui a um ano? Gostava que os meus produtos fossem vendidos em Chimoio, aqui mesmo na cidade, a toda a gente”.  (Rosa Zeferino Manejo, 30 anos de Nhassacara)